Maupassant foi um autor francês do século XIX que, em seus mais de 300 contos, abordou diferentes temas da época, desde o cotidiano da burguesia até sua experiência na guerra. Ele se destacou na literatura fantástica, escrevendo histórias de suspense, com elementos sobrenaturais e um quê psicológico.
Os contos do livro relatam histórias em que as personagens se veem diante do sobrenatural. Eles frequentemente questionam sua sanidade e ficam obcecados com um suposto ser invisível ou com um acontecimento estranho, por exemplo. Uma das ideias mais interessantes do livro é a do Horla, que aparece em dois contos, um deles com duas versões diferentes.
“Enganamo-nos julgando o Conhecido, e estamos cercados pelo Desconhecido inexplorado. Logo, tudo é incerto e apreciável de maneiras diferentes. Tudo é falso, tudo é possível, tudo é duvidoso.”
Esse trecho, do conto “Carta de um Louco”, resume bem a ideia do livro. No conto, o narrador conversa com seu médico, pedindo ajuda, pois percebeu a subjetividade dos sentidos humanos e, assim, passou a duvidar de tudo que antes considerava realidade. Ele fala sobre as falhas às quais os órgãos são suscetíveis e do pouco que eles nos revelam. Argumenta, ainda, que com alguns órgãos a menos “ignoraríamos coisas admiráveis e singulares, mas se tivéssemos alguns a mais, descobriríamos em torno de nós uma infinidade de outras coisas de que nunca suspeitaremos por falta de meios de constatá-las”.
No decorrer do conto, o “louco” relata que ouvira estalos em sua casa e suspeitava de que não estivesse sozinho. Ele conta que ficou aguardando a presença se um ser invisível e, por fim, o encontra: o narrador olha para o espelho e não vê sua própria imagem. O “Invisível” estava lá.
Maupassant explora ainda mais essa ideia em “O Horla”. O conto tem duas versões, que variam na maneira de narrar a história. A original é um doutor apresentando a outros médicos o paciente, que relata seu caso, enquanto a segunda é escrita na forma de um diário.
O protagonista de “O Horla” é um homem de 42 anos, que morava às margens do rio Sena, em uma grande casa, apenas com seus criados. Ele tinha dificuldades para dormir; primeiro, insônia, depois, um sono péssimo. Uma “terrível sensação de um peso esmagador sobre o peito e de uma boca sobre a minha, que bebia a minha vida por entre os lábios”, descreve ele. Logo, começou a perceber que fenômenos inexplicáveis aconteciam quando ele dormia.
O narrador enchia uma jarra de água à noite e, quando acordava, ela estava vazia. Ele trancou as portas e janelas e fez vários testes para então confirmar que, realmente, não era ele que o estava fazendo e tampouco poderia alguém entrar em seu quarto.
Os acontecimentos misteriosos continuavam. As comidas que deixava em seu quarto desapareciam durante a noite – sempre líquidos pouco consistentes –, e objetos flutuavam e se quebravam sozinhos. O protagonista enlouquecia com tudo aquilo, e temia cada vez mais esse ser invisível que passou a chamar de “Horla”. E, por fim, o viu pelo espelho, como no final do outro conto.
A segunda versão do conto é mais extensa e, por ser escrita em forma de diário, mostra bastante a angústia e a perturbação do protagonista, com reflexões como em “Carta de um Louco”. Além disso, o narrador vê o Horla não só como uma ameaça para si, mas como um sucessor do ser humano. “Um novo ser! Por que não? Ele deveria vir, certamente! Por que seríamos os últimos?”