CAPÍTULO 1: A FRIAGEM VEM VINDO
NECO
Dom Neco Fagundes serviu o mate e estendeu a cuia a Seu Libório com um gesto mecânico, enquanto estreitava os olhos para tentar enxergar melhor o vulto pequenininho que, lá longe, subia correndo a estradinha do Paiol ao Galpão.
Decerto era o Joca, concluiu de si para si o estancieiro, que já adivinhava o motivo da pressa do seu capataz. Minutos antes, Neco tinha visto um marreco chegar voando do Sul e pousar bem direitinho no Quartel das Aves, e daí deduzia, a julgar pela corrida desembestada do funcionário, que a mensagem trazida era urgente e partia da Intendência de Porto dos Casais.
— Dom Neco! Dom Neco! O senhor nem sabe! — desatou a falar, esbaforido, o capataz, tão logo chegou ao Galpão, a cuja porta sentavam em roda Neco, os filhos Roque e Joãozinho e Seu Libório, o agregado-da-guaiaca.
— Sei sim, Xiru: tu me traz notícia do Roberto — respondeu, de vereda, o estancieiro.
— Como é que o senhor sabe? — espantou-se Joca.
— Que outro recado de marreco te faria subir a estradinha com tanta pressa a essa hora da matina?
— Mas o senhor é mais olho-vivo que bodegueiro gringo quando entra freguês cigano, Dom Neco! — replicou, com sincera admiração, o capataz.
Neco riu enquanto enchia de água quente a cuia que lhe tinha sido devolvida por Seu Libório e em seguida passou o mate a Joca.
— Desembucha, ô Abostado. O que me manda dizer o Intendente?
O capataz sorveu um gole do amargo e disse:
— Dom Roberto está vindo para a Invernêra. Com toda a Intendência na comitiva.
Seu Libório, sempre cioso do abastecimento dos celeiros, deixou escapar um gemido, já calculando de cabeça quantas reses, ovelhas e garrafões de cachaça aquela visita custaria à Estância.
Dom Neco, por sua vez, sopesava o custo político. O que teria feito Dom Roberto Teixeira, o Primeiro de Seu Nome, Patrão dos Pampeanos e dos Primeiros Gaúchos, Intendente das Sete Freguesias e Protetor do Continente, deixar para trás o Trono de Espetos e subir de Porto dos Casais aos Campos de Cima com tamanha afobação? Só lhe restava esperar para descobrir.
— Bueno, pelo menos temos uns dias pra ir carneando as ovelhas — deu de ombros o estancieiro.
— Temo que não, Patrão — afirmou Joca, com melindres na voz. — A carta diz que a Intendência despachou o marreco três dias após a partida da tropa.
Neco pôs-se de pé e virou a cabeça, instintivamente, para os lados do Portão do Minuano.
— A la fresca! — exclamou.
Joãozinho, o filho ilegítimo que o estancieiro tinha trazido para a Invernêra ainda piazito (para desgosto de Dona Catarina), levantou-se também.
— Temos que correr com a lida, Pai.
Neco assentiu, já ansioso por rever o velho amigo de tantas batalhas, mas também um tanto maleixo ante a ideia de ter em sua casa a Alemoa e aqueles seus malditos parentes, com suas empulhações e joguetes de poder. Lembrou, sorumbático, do lema da Casa Fagundes, que recitou em voz baixa, quase inaudível:
— A Friagem Vem Vindo…